Galinha ao molho pardo – Fernando Sabino/ Atividade 2
A versão de Fernanda , A galinha
Olá, meu nome é Fernanda, e sou uma galinha e branca, um
pouco obesa e vou contar a minha
história, que quase se tornava uma tragédia .
Ao chegar da escola, Fernando deu com a novidade: lá estava
eu em seu quintal.
Morro em um quintal grande , mas lá não tem uma casa que
todas as galinhas tem , essa casa chamamos de galinheiro , como quase toda casa
de Belo Horizonte naquele tempo, tinha era uma porção de árvores. Pois foi no
quintal que ele me viu, toda folgada, ciscando na caixa de areia, eu havia sido
comprada por sua mãe para o almoço de domingo:
Dr. Junqueira ia almoçar na casa deles e ela resolveu me
comprar e fazer com molho pardo.
Fernando já tinha visto a Alzira matar uma galinha, uma
coisa horrível.
Agarrava pelo pescoço, agachava, apertava o corpo entre os
joelhos, torcia com a mão esquerda a cabecinha assim para um lado, e com a
direita, zapt! passava o facão afiado, abrindo um talho no gogó. O sangue esguichava
longe. E ainda viva, estrebuchando nas mãos da malvada.
Como se fosse a coisa mais natural deste mundo, a Alzira
contou a ele o que ia acontecer comigo.
Intrigado com a situação , resolve ume salvar.
Mesmo sabendo que o Dr. Junqueira era uma pessoa muito
querida pela família e que o pai dele dependia dele para alguns negócios , o
Dr. Iria comer de tudo mas de menos galinha ao molho pardo . Então ele me
disse:
— Olá você chamará Fernanda .
— Você sabe o que eles estão querendo fazer com você,
Fernanda? disse ele, pois nem queira saber, cuidado com a Alzira, aquela magrela
de pernas compridas, é a nossa cozinheira, ruim que só ela, estão querendo
matar você para comer, com molho pardo.
Meus olhos piscaram de susto. O corpo estremeceu e ali
mesmo, na hora, botei um ovo, de puro medo.
— Mas eu não vou deixar — disse, me tranquilizando,
apanhando o ovo com cuidado, para enterrar na areia depois e ver se nascia
pinto.
E acrescentou:
— Hoje não precisa de ter medo, que o perigo todo vai ser
amanhã vou esconder você num lugar que ninguém é capaz de descobrir, a Maria
lavadeira só volta na segunda-feira, antes disso ninguém irá mexer na bacia.
Assim que escureceu, me escondeu debaixo dela, ficou com pena de me deixar ali
sozinha, e perguntou:
— Você se importa de ficar ai debaixo até passar o perigo?
E fiz com a cabeça que não.
— Então fica bem quietinha e não canta nem cacareja nem
nada. Principalmente se ouvir alguém andando aqui fora. Disse-me ele.
Fiz com a cabeça que sim, e ele novamente me disse:
— Amanhã, assim que puder eu volto, dorme bem, Fernanda.
Naquela noite, para que ninguém desconfiasse, jantou mais
cedo e foi dormir.
Na manhã de domingo levantou bem cedo e veio dar uma espiada
em mim, me encontrou mais morta do que viva debaixo da bacia.
Mais um pouco e nem ia ser preciso a Alzira usar o facão,
água era fácil, me trouxe um pouco numa tigelinha, despejou pelo bico adentro e
me reanimei.
Mas como arranjar comida sem chamar a atenção de ninguém?
Ainda não tinham notado minha falta, nem mesmo pensado em trazer alguma coisa
para que eu pudesse comer. Que diferença fazia? Se eu ia ser comida naquele dia
mesmo?
O jeito foi furtar um pouco do milho do Godofredo, no que
Fernando tirou o milho, ele disparou a berrar:
— Socorro! Socorro! Pega ladrão!
O diabo do papagaio não gostava dele, e ele dizia:
— Cala a boca, Godofredo.
— Cala a boca já morreu! Quem manda aqui sou eu! Retrucava
Godofredo.
Fernando jogou na cara dele o resto da água da tigelinha:
— Toma, seu desgraçado, para você aprender. Disse Fernando.
— Socorro! Socorro! Pega ladrão! — continuava berrando,
batendo as asas.
Tamanho foi o escarcéu que o Godofredo aprontou, que acabou
caindo do poleiro e ficou dependurado pelo pé, foi o tempo de Fernando me
esconder debaixo da bacia e se escafeder correndo pelo porão adentro.
A Alzira já batia os chinelos escada abaixo com suas pernas
compridas, faca na mão, à minha procura.
— Que é que esse bicho tem? Não fala nada que presta e de
repente destampa essa gritaria toda! Que é que você quer, coisa ruim? Quem é
que é ladrão? Disse Alzira.
— Sua galinha! Sua galinha! Respondeu Godofredo.
— Galinha é você! Galinha verde! Por falar nisso, onde é que
se meteu a galinha? Indagou Alzira.
— Na bacia! Na bacia! Continuou gritando Godofredo.
Além do mais, era delator, o miserável. Dedo-duro, traidor,
entregava ao carrasco o seu próprio semelhante (ou quase).
— Uai, que é que você estava fazendo ali escondido,
Fernando? Disse Alzira a Fernando.
— Nada não… Fernando lhe respondeu.
— Boa coisa é que não há de ser. Alguma esse menino anda
arrumando, com esse ar de cachorro que quebrou a panela. Disse Alzira.
— Na bacia! Na bacia! — o Godofredo berrava.
— Cala essa boca, seu filhote de urubu! — Gritou Fernando.
— Na bacia! Na bacia! —insistia Godofredo.
— Que é que esse tagarela está falando? — perguntou Alzira.
— Está te chamando de nabacinha. Respondeu Fernando.
— Nabacinha? Que quer dizer isso? Novamente, perguntou
Alzira.
— Quer dizer vagabunda. Lhe respondeu Fernando.
A Alzira arregalou os olhos, ergueu no ar o facão:
— Vagabunda? Está me chamando de vagabunda? Nabacinha é
você, seu bicho ordinário! Não sei onde estou com a cabeça que não te corto o
pescoço, asso no espeto e como, ouviu? E ainda chupo os ossinhos um por um! Por
falar em comer: quede a galinha? Já está na hora de fazer o almoço, onde é que
a galinha se meteu?
— Não sei… Fernando respondeu calmamente
— Você não estava brincando com ela ontem? Indagou Alzira.
— Isso foi ontem. Hoje eu não vi ela ainda, disse-lhe
Fernando.
— Será que fugiu? Ou alguém roubou? Novamente, indagou
Alzira.
— Vai ver que é por isso que esse nabacinho de uma figa
estava gritando pega ladrão. Algum ladrão de galinha.
Fernando agarrou a ideia no ar, era a salvação:
— Isso mesmo! Ontem eu vi um homem correndo com alguma coisa
debaixo do braço. Só podia ser agalinha. Disse Fernando com convicção.
Mas a Alzira continuava com ar de desconfiança:
E saiu pelo quintal, à minha procura, olhando aqui e ali.
Depois foi contar para a mãe de Fernando que eu havia
sumido.
— E agora, como vai ser? Como é que ela foi sumir assim, sem
mais nem menos? Indagou, preocupada a mãe de Fernando.
— Sei lá, respondeu Alzira:
— Não acredito que tenham roubado, como diz o Fernando, vai
ver que saiu voando e pulou o muro, bem que eu pensei em cortar as asas dela e
me esqueci, agora é tarde, a gente anda precisando mesmo é de cortar as asas
desse menino.
— Está quase na hora do almoço, disse a mãe de Fernando:
— O Dr. Junqueira está para chegar de uma hora para outra, e
como é que a gente vai fazer sem a galinha? O Domingos vai ficar aborrecido.
Dali a pouco era Domingos pai de Fernando é quem chegava da
rua, trazendo o jornal de domingo debaixo do braço, quando lhe deram a triste
notícia, para surpresa de Fernando e dela, ele não se aborreceu, e disse:
— Faz outra coisa. Macarrão, por exemplo. O Dr. Junqueira é
bem capaz de gostar de macarrão.
E foi ler o jornal na varanda.
Filho de italiano, quem gostava de macarrão era ele, e da
macarronada que a Alzira fazia todo mundo gostava.
Pois o Dr. Junqueira
não só gostou, como repetiu duas vezes, para grande satisfação da mãe de
Fernando. Domingos, o pai, abriu uma garrafa de vinho daquelas de cestinha de
palha, e os dois a esvaziaram, depois de dar um pouquinho para Fernando e seus
irmãos, com água e açúcar.
Guardanapo enfiado no colarinho, o Dr. Junqueira limpou os
bigodes, satisfeito, e disse:
— Ainda bem que era essa macarronada tão boa. Eu estava com
medo que fosse galinha. Se tem uma coisa que eu detesto é galinha.
Principalmente ao molho pardo.